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Curadoria para a exposição individual de zarro, na Remanso – Instituto Cultural, ago — set 2025

Detalhe de São Jorge, defenda-nos, tela da série Ebó de Bar (acrílica sobre tela. 101 x 85 cm) zarro, 2024.

Texto curatorial

Entre os gestos vivazes de uma artista vibrante como zarro, há um gesto de cuidado. Seus trabalhos cuidam das imagens que insistem, dos fragmentos que sobrevivem, do passado que não passou bem. 

Em sua primeira exposição individual, apresenta um conjunto de obras desenvolvidas ao longo do último ano, em parte durante sua residência no Programa de Concessão de Ateliê da Remanso – Instituto Cultural e, posteriormente, em continuidade nos espaços da APPH – Associação de Pesquisas e Práticas em Humanidades. Recentemente agraciada com o Prêmio de Aquisição do 24º Salão de Artes Plásticas da Câmara Municipal de Porto Alegre, zarro tem cultivado sua poética através da articulação de diferentes linguagens – pintura, colagem e coleta –, propondo formas de percepção e reelaboração de memórias históricas, traumas políticos e práticas de convivência.  

Em Topografia dos encontros, os trabalhos elaboram composições do comum. A mostra se organiza em três núcleos, cada um tocando aquilo que, embora pareça distante, ainda pulsa: imagens que voltam, espaços que abrem, corpos que reaparecem. 

O primeiro núcleo parte de uma pesquisa em arquivos. São fotografias de imprensa do período ditatorial brasileiro, mas também o inesperado arquivo de vestígios encontrado pela artista na orla do Guaíba, em Porto Alegre, documentando os resquícios das antigas habitações ribeirinhas, quer sejam de uma margem ou outra do rio. zarro reapresenta essas imagens como quem quer reaprender a vê-las, por meio do recorte e da montagem, desestabilizando as narrativas oficiais e revelando o que ficou fora de quadro, assim dando corpo ao que o enquadramento original quis apagar. 

Adentrando no segundo núcleo, encontramos telas da série Ebó de bar, onde a artista recria um espaço democrático de elaboração coletiva. Tomando o bar como lugar de reencontro popular, onde se compartilha dor e alegria, zarro nos oferece cenas que carregam uma trilha sonora própria e estão povoadas de promessas: cadeiras e camadas potenciais de pessoas em campos de cor vibrantes, à espera de alguém ou de algo – um corpo, uma conversa, um gesto de cura. O bar, aqui, é rito e abrigo. É oferenda cotidiana e lugar possível de reparação.

No terceiro e último núcleo, a série Multidões apresenta os trabalhos mais recentes da artista, onde imagens quase abstratas dão corpo a grupos de pessoas reunidas em cenas de festas, celebrações e manifestações. Pintar a multidão é uma afirmação da potência do estar junto: da vibração dos corpos e da força do coletivo. As obras capturam não só a forma, mas a energia do calor dos encontros – aquilo que escapa à imagem e, ainda assim, permanece nela.

Entre reapropriações, rituais e comunhões, a exposição constroi um caminho que é também um retorno – não ao passado em busca de nostalgia, mas a ele como matéria viva que pode, pela arte, se potencializar e, assim, ganhar outras formas, outros nomes, outros futuros.

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